O feriadão já foi, mas não posso deixar de indicar alguns filmes aos quais tive oportunidade de assistir nos últimos dias. Indico, para quem gosta de suspense, "A Órfã" (advertência: contém cenas chocantes), "A Ilha do Medo" e "A Troca". Dos três citados, quero deixar um comentário sobre o segundo, pois me intrigou tanto que passei a "fita" três vezes. É o tipo de filme que você tem que ver de novo, pois tudo se explica na reprise. Para quem desejar locar o DVD, não leia o comentário, pois o final do filme será contado. Mas, se quiser apenas saber sobre o tema e o desenrolar da história, vá em frente.
SPOILER
No início da década de 50, no
período pós-guerra, o então ex-combatente Teddy Daniels, vivido por Leonardo
Di Caprio, encontra-se em um navio rumo a uma ilha, onde fica um hospital
psiquiátrico montado para tratar os pacientes de maior periculosidade dos Estados
Unidos. A cena do navio já dá dicas preciosas que poderão ser associadas no
desenrolar da trama. O delegado federal demonstra fobia à água... Ele tem um
companheiro de investigação, ao qual chama de Chuck.
Teddy e Chuck chegam a Shutter
Island para investigarem o sumiço de uma paciente que, anos atrás afogara seus
três filhos num lago, mas negava tal fato, por insanidade, e fazia de conta que
a Ashville era sua casa, pacientes e médicos, seus vizinhos. O misterioso
desaparecimento da assassina é o fio da meada para o grande mistério que
envolve os personagens da Ilha do Medo. Rachel Solando aparentemente fugiu com
a ajuda de algum habitante local. Teddy começa a investigar os outros pacientes
e a levantar suspeitas de conspiração.
Seus métodos investigativos se
confundem com sua história vivida no campo de concentração, onde
participou da libertação dos judeus, e também por culpar-se de ter matado
vários soldados nazistas. Esses recortes de flashbacks se confundem com a
realidade do hospício e faz com que o espectador se pergunte o que é real e o
que é loucura.
Seguindo esta linha
conspiratória, com o roteiro recheado de pistas falsas, passamos a fazer parte
de todo aquele aparato psiquiátrico, confundindo-nos com os próprios pacientes.
Ao ser questionado pelo médico sobre quem o teria criado, Daniels
responde: pelos lobos. Lobos, o animal interno que
alimentava; lobotomia, método usado para pacificar os loucos, através de
cirurgia cerebral. Dicas, fatos. A violência antes latente no
delegado vivido por DiCaprio, começa a ficar evidente e
forte demais. A charada proposta por Rachel Solando: "a lei dos 4, quem é
o 67º?", a tempestade, os devaneios e as alas psiquiátricas formam um
labirinto na mente do perturbado Teddy. Na ala A, ficavam as mulheres, na B, os
homens e na C os pacientes mais perigosos. A ala C era um forte construído
durante a primeira guerra. Dá para imaginar o tipo de gente que ficava preso
naquele lugar. Daniels tinha obsessão, especificamente, por um dos pacientes da
ala C: Leaddies, o homem que "riscou o fósforo" e incendiou o prédio
onde sua esposa morava. Leaddies estava preso na ilha e Teddy tentava achá-lo
obstinadamente, para um acerto de contas.
O desfecho se dá no farol da
ilha, a princípio tido como um lugar para tratamento de esgoto, mas que
Teddy imaginava ser o local onde as cirurgias cerebrais eram realizadas.
Ele invade o farol e encontra o médico sentado atrás da mesa e sem nenhum
vestígio de barbáries. Começa um confronto de realidades,
confundindo a quem assiste. O médico revela ao então paciente 67, Andrew
Leaddies, que ele estava ali há dois anos por não suportar a verdade nua
e crua: matara sua mulher após descobrir que ela havia afogados seus três
filhos.
Neste momento eu entrei em
êxtase, pois, por mais que o filme desse pistas, jamais imaginaria que ele
fosse o marido de Rachel Solando. Aliás, a lei dos 4 se explica aí: Edward
Daniels - Andrew Laddies/ Rachel Solando - Chanal Dolores. Quatro nomes, dois
verdadeiros e dois anagramas. Teddy achava que seu nome era Edward, mas na
verdade ele misturou as letras e formou uma nova identidade, assim como fez com
o nome de sua esposa. Nunca existiu Rachel Solando, a não ser na fantasia de
Teddy/Andrew. Rachel era o nome da filhinha dele que morreu afogada. Ele sempre
a via nos seus delírios como sendo uma criança judia que não conseguira salvar.
Dolores era uma mulher depressiva. "Teddy" ignorava esses sintomas,
pois se tornara um alcóolatra. Ao ver os filhos mortos e sua mulher implorando
para que ele a libertasse daquela vida, não teve dúvidas - atirou em Dolores. A
dor de Andrew com toda esta perda o levou à loucura.
Encaminhado para a ilha de
Ashville, foi o paciente mais intratável, mais violento e desafiador. A direção
de Shutter Island determinou que uma lobotomia fosse feita imediatamente, mas
seu psiquiatra queria uma última tentativa - deixar Andrew Leaddies solto por
dois dias vivenciando sua fantasia, apoiado por todos que lá moravam.
Pacientes, assistentes e policiais, além dos médicos, armaram uma encenação
para que Andrew pudesse voltar à realidade e se tornar uma pessoa tratável. Só
que não estava dando certo e o dr. Collen precisou falar a verdade (?) e
mostrar as fotos de seus filhos mortos. O choque fez com que Andrew recobrasse
sua memória, o que sinalizava positivamente para a cura.
Mas... no dia seguinte, quando
poderia voltar para o continente e ter um tratamento mais humano, Andrew
surpreende ao dizer que precisava desmascarar a todos na ilha. Seu companheiro
Chuck, na verdade seu psiquiatra assistente, sinalizou para os demais que
"Teddy" havia voltado e não seria possível a viagem de volta. Andrew,
então, indaga ao seu companheiro/médico: "É melhor viver como um monstro
ou morrer como herói? Na sequência, sai caminhando em direção aos enfermeiros
que já o aguardavam devidamente parementados para a lobotomia, sem esboçar
nenhuma resistência. A câmera focaliza o farol, dando a entender que ele
passaria pelo procedimento. E assim termina o filme.
Pois é, o que seria realidade e
fantasia? Estaria Andrew acenando uma falsa regressão para ser lobotomizado e
viver como um zumbi ou de fato ele não suportava a verdade e havia regredido?
Fica a dúvida, sempre pertinente aos bons filmes de suspense. Se alguém que
está lendo tiver visto, faça um comentário. Quem sabe possamos debater algumas
ideias sobre o assunto?
Pontos a esclarecer: um
delegado federal usaria uma gravata que mais parecia enfeite de palhaço? O que
era o ferimento que ele trazia na testa: machucou-se durante a briga em que
quase matou o paciente da ala C, ou uma tática do Scorcese, insinuando que
naquele lugar ele sofreria uma intervenção cirúrgica - o lobo frontal? Os
vômitos e náuseas não eram sintomas de enxaqueca, mas as crises de abstinência,
uma vez que seus remédios estavam sendo suprimidos para o grande teste? A
tempestade nunca existiu, a não ser de forma metafórica, indicando os clarões
momentos de lucidez do paciente e não raios provenientes da chuva? A caverna em
que ele dormiu significa o inconsciente humano? A foto de Hitler na casa
do médico era para causar impacto e fazê-lo lembrar de seus traumas da guerra
contra os nazistas? Fogo e água, dois elementos da natureza, se contrapõem o
tempo todo. O fogo que matou Dolores não foi provocado por um incêncio, mas
pela sua arma de "fogo". A chuva persistente na maior parte do filme
fazia alusão à forma em que seus filhos morreram - morreram na água. A
fobia sentida no navio foi proposital, um modo de remetê-lo ao seu passado
sombrio. Teddy comentou com o soldado que seus homens estavam tensos
(evidentemente, estavam diante do paciente mais perigoso da ilha);
reconheceu o perímetro eletrificado (claro, ele morava na ilha), mas deu a
enteder que se tratava do campo de concentração. Enfim, símbolos existem aos
montes. Diálogos que passam desapercebidos: A loucura é contagiosa?
(sim, a loucura de sua mulher o contagiou); você tem mecanismos de defesas
magníficos! (sim, ele negava a realidade através da loucura); Quem criou você?
- Os lobos! (Ah, a lobotomia, o monstro que vivia dentro dele); A violência é
um presente de Deus, você é violento e eu te conheço há séculos
(conversando com o xerife, ao subir o penhasco). Todos estavam a
postos nos lugares em que Teddy provavelmente se encontrava. Só vemos isso
depois, com calma. Na hora, a confusão do roteiro, te faz crer que você
também é um louco daquela Ilha do Medo.
Por Christiane B.
Olá!
ResponderExcluirEu assisti esse filme faz uns meses, e adorei! O Di Caprio está perfeito, uma atuação fabulosa! Também levei um choque no desenrolar do filme. Juro que foi difícil me convencer de que Teddy era Andrew. Mas no fim, acho que foi isso, ele 'escolheu' o procedimento por não suportar a realidade.
Mas eu assisti só uma vez e agora, lendo seu post, fiquei com vontade de assistir novamente!
Esse fim de semana também foi de assistir filmes pra mim. Meu namorado e eu assistimos "Amor e Inocência" e "Antes do pôr do sol", que é continuação de "Antes do amanhecer".
Abraço pro c, e boa semana.
Oi Chris
ResponderExcluirDepois que li seus comentários sobre esse filme, fiquei doida para vê-lo. Acabei de ver ontem e tb adorei! Tb acho que ele escolheu o procedimento...
Muito obrigada pela dica!