quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Eu Coitadinho


Todo mundo conhece um "eu coitadinho". Aquele indivíduo que vê a vida sob o prisma da vitimização. Para ele, todo o universo conspira contra si. Tudo na vida dele dá errado porque o mundo é injusto e ninguém colabora para a sua felicidade. 

O "eu coitadinho" é muito popular, existe aos montes. Pode ser um parente, um amigo, um vizinho, o chefe, o subalterno, o rico, o pobre, o intermediário. Ele está inserido no mundo real e no mundo virtual. O "eu coitadinho" é um pé-no-saco! Muitas vezes você fica convencido que contribuiu de maneira injusta para a sua infelicidade. Sim, os coitadinhos não costumam ser pessoas felizes e realizadas. Mas essas pessoas não se dão por satisfeitas por serem infelizes sozinhas. Elas são altruístas. Querem dividir seu fardo. E te fazem sentir culpa.

Pode observar - neste exato momento você deve ter se lembrado de pelo menos três sujeitos "eu coitadinho". As frases mais comuns costumam ser: ninguém me respeita, como sou humilhado/a, eu sou tão humilde, sou uma pessoa simples, por que você faz isso comigo?, só porque eu sou pobre, só porque eu sou rico, só porque eu sou católico, só  porque eu sou ateu, só porque eu sou evangélico, o que será que eu fiz de errado? é porque eu sou magro, é porque gordo, é porque eu sou feio, é porque eu sou bonito, sou mal casado, sou divorciado, sou bem casado e todos têm inveja de mim, ninguém se lembra que eu existo... Oh, meu Deus! Para que tanta auto-piedade? Por que tanto complexo? 

O "eu coitadinho" tem um caráter dúbio. Acredite, auto-comiseração não é normal. São algozes de si próprios, não costumam e não fazem auto-análise (seria exigir demais) porque, geralmente, a inteligência emocional desta pessoa é muito comprometida. Inteligência emocional é diferente de inteligência cognitiva. Conheço gente inteligentíssima que é "eu coitadinho".  Não é questão de falta de QI. A questão é a falta de amor próprio. Acho que Sartre definiu muito bem esse tipo de pessoa. Para elas, "O inferno são os outros." 

O "eu coitadinho" curte uma música dor de cotovelo. Você não o verá dançando rock, forró, samba ou funk. Sua trilha sonora deve passar por Lilian "Eu sou rebelde porque o mundo quis assim, porque nunca me trataram com amor e as pessoas se fecharam para mim", por Roberto Carlos, óbvio "Por que me arrastou aos seus pés, por que me dou tanto assim, e por que não peço em troca nada de volta pra mim?", inevitavelmente Reginaldo Rossi "Garçom, aqui nesta mesa de bar, você já cansou de escutar centenas de casos de amor" e até mesmo Kid Abelha "Você me tem fácil demais, mas não parece capaz de cuidar do que possui." Ah, tá ok! Eu gosto destas músicas, mas vamos combinar - muda o disco, cara!

Para o "eu coitadinho" as cores mais lindas devem ser o cinza, o preto e o roxo. Dias nublados são muito bem vindos. Seu programa favorito é assistir Casos de Família e usar as redes sociais para despejar sua tristeza. E haja atualização de status: "nossa, sabe aquela pessoa, que decepção. Como eu me enganei com ela/com ele, que bruxa, que traidor, que cobra, invejoso, me odeia entra na fila, o dia fica mais lindo quando algumas pessoas desaparecem... Só para citar alguns.

O que mais me irrita no "eu coitadinho" é o ser complexado. Pelamordedeus! Qualquer coisa que você vier a escrever, vira motivo de ira! É como se o mundo girasse em torno do umbigo deste indivíduo. Na sua cabeça doentia, as palavras são direcionadas para ele. Qualquer texto, qualquer mesmo, é visto como indireta. E daí vira uma bola de neve, porque o "eu coitadinho" tem seu modos operandi para interpretar as coisas. Ele é o alvo de todas as setas! Galileu Galilei vai ter que reinventar sua teoria heliocêntrica. Não será mais o sol o centro do universo, mas sim o "eu coitadinho" - o egocentrismo!

Quando contrariado, o "eu coitadinho" se isola. Isola-se dos amigos (reais ou virtuais), isola-se da família, dos colegas de trabalho, dos bichinhos de estimação, das plantinhas, das bactérias e das amebas! O "eu coitadinho" quer se passar por inferior, mas na verdade existe dentro de si um líder nato, mas um líder negativo, uma liderança para o mal - a tal manipulação. É um ser exótico, comprometido com seus valores pétreos, como as cláusulas pétreas da Justiça! Seus valores são para si memoráveis, respeitáveis, a sua índole é impoluta, imaculada, suas intenções são sempre as melhores e, pasmem, costumam ser muito carismáticos! Hitler também era carismático.

Como reconhecer um "eu coitadinho"? Com o tempo a gente fica craque! Ele começa sendo, geralmente, muito gentil. Faz elogios a você, vai se aproximando, colhendo informações, revelando um pouco de si até se tornar seu amigo ou alguém bem próximo. Se for da família, todas essas etapas são dispensadas, basta apenas umas atitudes mais intimistas para te pegar. Pois bem, diante desta "posse", sim, o "eu coitadinho" jura que as pessoas lhe pertencem e devem agir conforme ele quer - você estará proibido de decepcioná-lo. Decepção para ele, ato imperdoável! - Ao ter certeza de que você é parte integrante da vida dele, aí começam as cobranças. Se você não está no seu melhor dia, você o está desprezando. Se você diz algo que não lhe cai bem aos ouvidos, você o está agredindo. Se você posta uma mensagem e, sem saber e sem querer, atinge com uma flecha a consciência pesada dele,  é uma indireta. Em todos os momentos você tem que medir seus passos, pois ao menor vacilo, você vira A DECEPÇÃO. 

Tem coisa mais difícil do que conviver com o "eu coitadinho"? Sim, é você ter a consciência de que não ele, mas você é ou foi uma vítima da sua insegurança, da sua maldade, da sua manipulação, dos seu desvio de caráter, da sua falta de autoestima, do seu excesso de controle. Você tem que conviver com a frustração de não ter sido 100% quando na verdade o "eu coitadinho" não mereceria nem 1 por cento da sua atenção. Você se entristece por acreditar que tinha um amigo, mas... que amigo? Um amigo que não pode ser contrariado? Um amigo que não dialoga e ao invés disso te julga, condena e sentencia sem direito de defesa? Ah, que triste! Pela minha vida já se passaram vários "eus coitadinhos". Isso não é um mérito. Isso me deixa triste, magoada. É um motivo para repensar o valor da verdadeira amizade.

E sabe... Por incrível que pareça, algumas pessoas irão ler este texto e imaginar que foi escrito para elas. É o "eu coitadinho" com o maldito vício do ego! Eu não perderia meu tempo escrevendo para alguém de quem eu não gosto ou que deixei de gostar. E o mais sério: não publicaria em um blog algo para uma pessoa específica. Sou direta e, portanto, a mensagem iria para o destinatário via e-mail. E por mais incrível que possa parecer ainda, quem eu gostaria que lesse este post, jamais vai acessar esse blog. Então, não pense besteira. Eu escrevo o que me dá na telha e não ligo se algumas pessoas se sentirem ofendidas. Porque se isso acontecer será a prova cabal de que o leitor é um "eu coitadinho."

Christiane Bianchi