segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Eu Não Matei Joana D'Arc

Na Europa do século XV, a heroína francesa foi condenada à morte. Executada em praça pública, ateada à fogueira, foi queimada viva. Seus ideais de liberdade, sua luta contra a dominação inglesa, suas vestimentas masculinas somaram motivos aos perversos da época, que determinaram seu fim: aos 19 anos, calaram a boca de Joana D'Arc.

No Brasil do século XXI, outra personagem, desta vez fictícia, está prestes a ter o mesmo destino: Tia Nastácia, a negra. Heroína dos contos de Monteiro Lobato, corre o sério risco de ser limada. Desta vez os inimigos não são estrangeiros. São os patrulheiros étnicos. Figuraças do alto escalão do governo sugeriram a não distribuição da obra "Caçadas de Pedrinho", do maior escritor infantil em Língua Portuguesa. Motivo: Lobato tem cunho racista. Escreveu que Tia Nastácia trepa em uma árvore como uma macaca "de carvão".

Alguém explica para esses senhores da censura literária que o tempo da inquisição já acabou. Alguém avisa a esses pseudo-controladores da leitura alheia, que Monteiro Lobato foi o autor que mais fez crianças sonharem com o imaginário brasileiro, substituindo até mesmo as fadas e princesas dos Grimm, pela Cuca, Saci, Iara, Boneca Falante, Espiga de Milho Intelectual.  Pelo amor de Deus, alguém para essa locomotiva da falta de bom-senso que tenta fazer o politicamente correto soar como hipocrisia.

Pelo visto, não vamos mais poder cantar o boi-da-cara-preta, do cancioneiro popular de domínio público. Não podemos mais dizer que fulano é negro, agora o correto é dizer afro-descendente. Um aluno me perguntou: professora, se eu usar uma camisa escrita 100% branco vão me chamar de racista? Não soube o que responder. Orgulho de ser negro, orgulho de ser branco. Como assim? Nosso país é uma síntese de vários povos. Somos miscigenados. Não somos 100% de cor nenhuma. Além disso, como bons brasileiros, temos uma convivência pacífica com todas as cores que formam esta nação. 

Para que e por que agora estamos sendo segregados? Cotas raciais para corrigir os anos de desigualdade entre brancos e negros? Como assim? Cotas discriminatórias, quer dizer. Somos todos capazes, podemos não ter as mesmas condições econômicas. Mas esse assunto não é para agora...

Tia Nastácia, nós não deixaremos que a senhora queime na fogueira da ignorância de alguns. As crianças sabem que Monteiro Lobato não era racista. Inclusive, para quem não sabe, ele morreu pobre e deprimido, após ser preso pela patrulha ideológica da época. José Bento acreditava que havia petróleo no Brasil e foi severamente punido por isso.  

Mas nós, pessoas com discernimento, não queimaremos seus livros na fogueira, em praça pública. Monteiro Lobato não será a nossa Joana D'Arc.


Sugestão: há dois filmes que retratam como a queima de livros traz impacto a uma sociedade. Um deles cham-se Balzac e a costureirinha Chinesa.  O outro, O Nome da Rosa.

Um comentário:

  1. Christiane.
    O blog tá que tá, hein? Temas interessantes e apaixonantes me agradam. São um pouco "arriscosos" (cantava Xangai, no ABC do preguiçoso) mas quem não corre riscos não petisca! Guimarães Rosa fez Riobaldo ponderar sobre a vida como sendo "um descuido prosseguido" por conta dos riscos que correm os vivos.
    Mas o mote é outro... o danado do Monteiro e a questão do racismo na literatura.
    Lembra-se da alteração nos dizeres na bandeira de Ouro Preto. Eu considerei um exagero e ainda penso assim. Quanto às Reinações de Narizinho, tenho que matutar mais um pouco. Mas o mote meu aqui é outro, ainda: é o texto.
    O seu texto em defesa de Lobato me intrigou por 2 motivos:
    1. Lobato foi veemente apoiador das idéias higienistas e da eugenia. Ele não pode ser considerado ingênuo quanto ao que escreveu. Tanto que outras pessoas culturalmente tão importantes tiveram posições de crítica ante tal ideário, como Lima Barreto.
    Já Lobato, ele escreveu e publicou textos explicitando sua esfuziante simpatia, sendo defensor e propagador notório e constante nos jornais dos anos de 1910/20.
    Foram as minhas primeira jóias literárias os Doze trabalhos de Hércules de Lobato, e continuará sendo, mas há que se procurar outras balisas para se montar defesas e contra-defesas pessoais.
    2. Eu não quero crer que as crianças saibam que Lobato não era racista. Mas espero saber um dia que elas e os adultos saibam que ele era um homem do seu tempo e que as opiniões eram aquelas e em quais circunstâncias os fatos se deram. E que ele não tinha medo de defender aquilo que pensava e acreditava.
    Espero ajudar nas discussões.

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